Independência dos livros autopublicação é alternativa para novos escritores

Independência dos livros autopublicação é alternativa para novos escritores

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“Publicar um livro independente é se inserir num mercado em que você não existe”. Assim descreve Otto Santana, 19, sem a menor timidez ao telefone, diretamente do bairro Nova Suíça, capital do Estado de Goiás. Durante doze meses, escreveu, revisou, editou e publicou seu segundo livro de poesia, o “Semitextos”. Com a ajuda de uma amiga ilustradora, Otto deu cor à obra.

Apesar do apoio da família e amigos na carreira artística, o filho de pedagoga precisou encarar os percalços da autopublicação. Sem a chancela de uma editora para ampará-lo em todas as etapas, o escritor sentiu na pele o árduo e exaustivo trabalho de assumir todas as funções que compõem um grupo editorial para realizar o sonho de ver a nova obra em mãos.

A estudante fluminense Maria Costa, 20, diz que assumir todas as tarefas das quais não tinha domínio, devido à falta de amparo, foi a parte mais difícil da publicação independente de seu primeiro livro Talvez eu não saiba amar: “Eu que fiz tudo: fiz a diagramação, uma amiga fez a revisão, fiz a montagem; a produção da capa, o contato com a gráfica… Fazer o formato dele pro e-book na Amazon foi muito puxado também”, recorda.

Apesar das dificuldades, a autopublicação traz consigo uma série de vantagens. É o que pondera o colombiano Albeiro Patiño Builes, estrategista de marketing para escritores. Para o consultor, a independência é benéfica ao artista: “O autor é livre para escolher o que publica, que capa usa, que preço põe em seu livro e até como e quando o promove. Mas, especialmente quantos royalties receber. Este último aspecto é essencial”, afirma.

Maria, contudo, não sente a independência dessa forma. “É algo que eu não recomendo para as pessoas. Se você tiver dinheiro, não faça. É ruim. Foi um processo muito cansativo”, lamenta. A acadêmica de administração relata que o custo de produção também pesa no final da autopublicação: “Quando o livro está em uma editora tradicional, que fez boa parte do trabalho para o escritor, o livro já passou por tantos lugares que fica mais fácil de se tornar reconhecido. Quando é independente tudo vem de você”.

Builes ainda afirma que, em um cenário de publicação independente, é necessário que os escritores sejam protagonistas de suas carreiras. Ele diz que as editoras tradicionais delegam cada vez mais a responsabilidade da publicidade aos autores, e que os escritores perceberam que, com o advento das redes sociais, se tornou dever profissional criar uma comunidade de leitores on-line e cultivá-la. Dessa maneira, o artista tem mais chances de garantir a venda de sua obra. “Além do mais, os editores tradicionais hoje preferem publicar autores que são publicados com uma comunidade, mesmo que seu trabalho não seja muito relevante ou que seja de baixa qualidade, porque a comunidade garante as vendas”, completa.

Maurício Zágari, residente do Estado do Rio de Janeiro e diretor editorial da GodBooks, não lê o cenário editorial independente da mesma maneira. Para ele, a produção independente permite que o livro seja publicado sem o profissionalismo de um preparador: “O autor é soberano sobre o processo de produção e o conteúdo de sua obra. O problema é que isso é muito ruim, uma vez que o livro é publicado sem passar pelo olhar crítico de um editor”, aponta. Em sua opinião, um texto sem revisão e edição profissionais pode se tornar uma experiência ruim para os leitores.

Ricardo Almeida, paulista CEO do Clube de Autores, uma das maiores plataformas de autopublicação no Brasil, aponta para outro cenário. Em entrevista concedida à revista Forbes em julho de 2021, afirmou que a publicação autônoma tem sido o principal recurso para introduzir novos escritores no mercado dos livros. O Clube registrou resultados significativos em 2020, com mais de 15 mil livros publicados – 18% a mais em relação a 2019. A empresa obteve o acréscimo de 40% no número de vendas, somando em torno de 8,5 milhões de reais em lucros, conforme divulgou a reportagem.

Livros digitais ganham espaço

Em 2020, quando a Organização Mundial da Saúde declarou estado pandêmico e as medidas de isolamento e quarentena foram implementadas, a receita do comércio incidiu sobre quedas expressivas. No Brasil, o setor livreiro registrou cerca de 50% de redução no nível de vendas, como apontou o relatório divulgado pela Nielsen no ano passado.

No entanto, o rombo versa apenas aos livros físicos vendidos por livrarias tradicionais. A consultoria de Nielsen, em parceria com o Sindicato dos Editores de Livros e da Câmara Brasileira de Livros, revelou em uma pesquisa que a venda de livros digitais aumentou 83% no ano de 2020. Também do Estado de São Paulo, Melissa Marques, analista de marketing editorial, acredita que isso ocorre em função de um conjunto de fatores: “As editoras estão produzindo mais e-books ou adaptando o catálogo existente. A facilidade de ‘guardar’ 1.000 livros em um só lugar também é bastante atrativa. O preço, comparado ao impresso, ainda é mais baixo”, diz.

Comparação entre número de vendas de livros digitais no Brasil entre 2019 e 2020. Fonte: Elaborado por Augusto Braga, a partir do relatório de Insights da Bookwire.

Ainda no mesmo ano, o consultor austríaco Rüdiger Wischenbart e a Bookwire, empresa de serviços digitais para publicações on-line, tornaram públicos os resultados da Digital Consumer Book Barometer, pesquisa que mediu o impacto da pandemia no comportamento do leitor digital brasileiro.

O estudo apresentou resultados importantes para quem pretende se inserir no mercado editorial de forma independente. Foi constatado que, com fechamento das livrarias nos primeiros meses de 2020, somada à aderência ao home office, houve um crescimento exponencial do consumo de todos os tipos de livros em formato digital, como indicam os gráficos abaixo.

Da notícia à ficção

A mais de mil quilômetros da capital gaúcha, na cidade de São Paulo, o escritor e jornalista Matheus Lara, 28, também encarou o caminho da publicação independente. O colunista de Política do Estadão precisou contar com a ajuda da namorada e amigos, todos profissionais do texto, para revisar e editar seu primeiro romance, intitulado “À meia-noite, tudo vai estar bem”.

Para o jornalista, a parte de edição e revisão não foram as mais impetuosas, mas, sim, a distribuição do livro: “Você conta com o apoio de quem te conhece, em primeiro lugar. Então o livro que eu divulguei teve o apoio gigantesco de amigos e de familiares e de pessoas que me seguiam nas redes sociais por conta do trabalho no Estadão”, conta.

Matheus relata que, durante o processo de finalização, pensou em diferentes possibilidades para publicar seu livro: “Poderia ser por prêmio literário, avaliação de originais em editoras grandes, eu poderia pagar para uma editora que oferece esse serviço e publicar, poderia mandar imprimir uma determinada tiragem”, diz. Na hora da decisão, o escritor utilizou o serviço de publicação independente da Amazon, o Kindle Direct Publishing (KDP), mas também pagou por uma pequena quantidade de livros físicos.

Vendas de e-books no Brasil antes, durante e depois do isolamento. Fonte: Elaborado por Augusto Braga, a partir do relatório de Insights da Bookwire

Desde 2012, quando a plataforma chegou ao Brasil, a KDP é outra oportunidade para a introdução de novos escritores no comércio livreiro. Partido da gigante do e-commerce, a empresa americana Amazon, os títulos independentes estão ganhando cada vez mais espaço entre os pedidos dos leitores.

Otto Santana optou por outro caminho: para publicar seu novo livro, tanto na versão digital quanto física, confiou na equipe do Clube dos Autores, que opera de forma distinta dos serviços da KDP. “O processo é bem simples e o site é intuitivo. Primeiro você coloca os dados de como você quer o livro e eles vão te dar uma estimativa do valor que custaria aquele livro e você pode escolher o quanto quer ganhar de direitos autorais, o que é muito bacana”, pondera. Para Otto, esse é um dos principais pontos do Clube: “Esse valor que você escolhe é fixo, e quando você vender o livro em qualquer loja parceira do site você vai ganhar aquele valor”, conclui.

No Rio de Janeiro, Bruno Haulfermet, 37, teve uma trajetória diferente. O escritor começou a publicar suas histórias, de maneira independente e apenas por fruição, na plataforma on-line Wattpad. O que Bruno não esperava era que sua obra se tornasse um dos originais mais lidos no Brasil pelo site. Com mais de 255 mil leitores de seu primeiro livro, “Os Descendentes e a Ferida da Terra”, o autor foi convidado pelo Wattpad para se tornar um dos curadores de conteúdo da empresa. “A plataforma é livre, então a gente tinha que ficar de olho e separar quem era leitor, quem era escritor e quem era os dois. Também tinha uma garotada mais nova que ficava escrevendo conteúdo adulto, então a gente tinha que denunciar, tirar de circulação”, contou Bruno.

O escritor, que em pouco tempo terá sua nova obra publicada em formato físico, atribui o sucesso ao site: “O Wattpad foi um trampolim, com certeza. Eu tenho um carinho muito grande pela plataforma”.
Com mais de 200 milhões de usuários, o Wattpad se posiciona no mercado digital como uma das mais populares plataformas de leitura e publicação independente na internet. Além da leitura gratuita, o site é utilizado para a autopublicação de novos autores e também para que escritores divulguem suas obras com capítulos e amostras de seus livros, a fim de instigar o público a lê-lo.

Orientação: Larissa Drabeski (professora e jornalista)

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